A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NUNCA VAI SUPERAR A MESA DO BAR(?)
Estava trocando uma ideia com um amigo, dias atrás, e ele me narrou um caso curioso. Disse ele que um camarada lembrou de uma cena meio esquisita que tinha visto no centro de Porto Alegre e estava tentando construir a imagem para os amigos, numa mesa de bar. Eu fico imaginando o lance: um bar, uma roda de amigos e um dos caras tentando fazer com que os outros imaginassem uma cena bizarra. Já passei por isso algumas vezes. Quase sempre, a coisa acabava em muitas risadas...
Isto porque, num encontro onde o “contar histórias” e “narrar cenas” são o enredo principal da conversa, há um espaço muito grande para a imaginação. E, também, o cara já vem meio embalado pelos efeitos dionisíacos das biritas e aquele clima de despreocupação com o mundo transformam a capacidade imaginativa em um legítimo dom divino. É o Dionísio agindo meio estilo “baixando o santo”...
Ouvi tantas histórias em mesas de bar que não consigo lembrar muito bem de nenhuma delas. Mas isto é o que pode haver de mais justo. A história contada na mesa de bar tem que estar ali, naquele presente, não precisa necessariamente ser lembrada depois... Muitas só fazem sentido mesmo naquele contexto, pois estão embebidas (a palavra é bastante apropriada) de um humor tolo que só tem efeito quando o cara já está mais pra lá do que pra cá!
*
Fora o efeito didático do bar...
Toda vez que digo para meus alunos que a Universidade pode ser um lugar muito legal, não deixo de falar dos bares em anexo que fazem a aula continuar depois do expediente. Foi assim que concluí com êxito minha graduação em história: tempo de aula/tempo de bar; formação teórica: sala de aula/formação complementar: mesa de bar...
Mas, na verdade, não é sobre o bar, especificamente, o assunto do texto...
*
É que aquela história do meu amigo tem um agravante. O sujeito que estava tentando descrever a cena bizarra para os amigos, não obtendo sucesso com os próprios recursos imaginativos para criar uma imagem verossímil a que tinha em mente, buscou recursos em uma inteligência artificial.
Eu, particularmente, nem sabia que isso já era possível. Tipo assim, o cara vai lá e escreve: “um homem alto de pé em uma sala escura escorado em um armário com roupas sujas caindo das gavetas”, e a coisa faz a imagem e, não apenas uma, mas várias imagens com aquela descrição.
É um troço do capeta!
Meu amigo até me mandou a imagem fornecida pela IA que o brother dele apresentou aos amigos. É interessante, mas por outro lado, perturbadora. A imagem entra num padrão muito artificial que me deixa ainda um pouco incomodado – Inteligência Artificial é um bom nome pro troço mesmo... Na minha imaginação as coisas funcionam de forma imperfeita, com movimento e incompletude. A imagem composta pela IA busca uma definição muito limitada, restrita a padrões e definições a priori. Ela não tem o movimento da criação, a construção em etapas, o aperfeiçoamento incompleto... Como busca um resultado quase imediato (demora cinco segundos pra fornecer uma imagem, o troço!), a IA não valoriza o tempo – o tempo, neste caso, é apenas um relógio para ansiosos na busca por resultados. Mas é com o tempo que a imaginação se aperfeiçoa e, com a IA, o sujeito não constrói um pensamento desde a base: ele pega a coisa já na cumeeira!
***
Parece que as novas gerações andam bebendo menos. Bom, se andam bebendo menos, estão indo menos em bar, imagino. Se estão indo menos em bar, estão se encontrando menos (se encontram onde, meu deus do céu?!). Se se encontram menos, contam menos histórias um para os outros. Se contam menos histórias um para os outros é porque talvez tenham menos histórias para contar. Se têm menos histórias pra contar, não imaginam tanto quanto as outras gerações imaginavam. Se não imaginam tanto, ficam mais preguiçosos para pensar. Se ficam mais preguiçosos para pensar, pedem ajuda para a IA pensar e imaginar por eles...e perdem aquela capacidade que pode parecer mais valiosa ao serumaninho: interpretar o mundo ao seu redor...
***
Na real, não sou tão pessimista. É um novo lance, uma nova forma de pensar. Como historiador, imagino daqui a duzentos, trezentos anos, os caras estudando esse momento de inflexão dizendo o seguinte: aqueles primeiros trinta anos do terceiro milênio foram muito doidos! É normal que a gente não consiga entender muito bem o que está acontecendo e todo e qualquer entendimento da história parece mais razoável a posteriori.
*
Só espero que o bar não seja apenas algo imaginado por uma IA, no futuro.