ALGORITMO NÃO TEM RITMO
No fatídico dia em que o meu grande amigo Tiaraju faleceu, eu fiz um post no Facebook lamentando o incidente. O momento era de uma tristeza quase paralisadora. Só quem perdeu uma pessoa muito próxima compreende o que eu quero dizer. Você não sabe muito bem como agir. Mas ao mesmo tempo, você precisa fazer alguma coisa.
A nossa cultura nos formatou para a morte com a prática da empatia. Ou seja, as pessoas que imaginam o que você está sentindo, se propõem a comungar daquele sentimento (nem que seja em duas ou três palavras escritas num comentário nas redes sociais) para tentar te, como se diz, “confortar”. “Confortar” é uma palavra latina, originada do verbo “confortare”, que significa conferir força. E a “força”, neste caso, é conotativa, significa algo do tipo “tamo junto, mano!”.
Inconscientemente, você acaba compartilhando a notícia da morte para receber este conforto, esta “força”, este “tamo junto”. Sozinho, a coisa seria bem mais difícil. De alguma forma, o “calor humano” faz o cara lembrar que a vida segue, que as coisas precisam ser feitas e que a morte é parte disso tudo.
Pois bem...assim que acabei de publicar o texto no Facebook, começou uma enxurrada de manifestações. Amigos e conhecidos escrevendo palavras de incredulidade, afeto, empatia... Aquilo me manteve ativo por alguns momentos, respondendo comentários e mensagens. Era uma espécie de fuga inconsciente: eram as redes sociais fazendo o que de fato fazem: te tiram da realidade pra te enfiar em algum limbo, em algum lugar que só existe enquanto você está no enxame, no barulho produzido pelo excesso de vozes surdas, mas que ali, especificamente ali, essas vozes buscavam certa dose de humanidade.
Até aí, o.k.
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Um dia depois, aparece na minha timeline uma mensagem do Facebook tipo isso: “se você quiser bombar a sua publicação, pague uns pilas que a gente faz o troço chegar numa galera, tá ligado?”. Aquela mensagem robótica, algorítmica e automática quase me fez excluir a minha conta. A falta de sensibilidade facebookiana em meio àquele mar de sentimentos conturbados, definitivamente, não caiu bem.
Bom, o algoritmo fez o seu papel!
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Uma figura de linguagem é o centro da questão. O lance é que a gente personifica algo que não existe, de fato. O cara pensa no algoritmo como se ele fosse uma pessoa e que ele está lá dentro de sei lá onde olhando pra ti e vendo qual é a melhor forma de agir por você, para que você - e principalmente ele – tenha lucro.
Pensando assim, você enquanto pessoa de carne e osso imagina a possibilidade real de dar um soco na cara do tal Algoritmo. (É uma experiência platônica que o Platão nunca imaginaria!) Te juro, meu filho, se o tal do Algoritmo chegasse pra mim e dissesse, “olha só, brow, quer ganhar dinheiro com a publicação do teu amigo que faleceu, fala comigo, beleza?”, eu desferiria automaticamente um tapão nos beiço do vivente!
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Bom, como se sabe, o algoritmo é apenas uma manobra numérica programada. Ele é uma entidade 3’os: onipresente, onisciente e onipotente. Ele vê tudo o que você faz, sabe de tudo o que está acontecendo e decide ao seu bel-prazer o que ELE acha melhor pra você.
Mas como deu pra perceber, essa decisão é uma decisão sem “feeling”. O algoritmo entra na dança, mas não sabe rebolar. Com passos milimétricos, ele busca uma performance mais “lucrativa”. É uma dança com o salão todo marcado com pontos estratégicos onde ele já sabe de antemão onde você vai colocar o pé. Você se transforma num Fred Astaire com chip!
(Ainda assim, você pode agir com inteligência, mas isso seria assunto para outro texto)
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Quando um terço da sala está no celular durante uma explicação, eu fico na minha. Quando um terço + 1 estão no celular, eu paro e peço para que, “por favor, aproveitem a oportunidade de ouvir uma pessoa de carne e osso enquanto podem!”. Se pedir para deixarem o celular desligado, rapidamente a galera começa a se coçar, se escabelar, virar piruetas em cima da própria cadeira! Esta possibilidade está fora de cogitação!
Não me apego mais...
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Por um lado, nós, professores, também agimos como algoritmos, de certa forma. Determinamos, na maioria das vezes arbitrariamente, o conteúdo que vai chegar nas cabecinhas dos nossos alunos. Induzimos eles a acreditar que aquele negócio é o que eles precisam saber e muitas vezes não nos damos conta, mas aquilo que estamos ensinando é aquilo que nem nós mesmos acreditamos que eles deveriam aprender.
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Um exercício de empatia, portanto, é uma boa alternativa para essa relação pseudo-algorítmica! Poderíamos começar, pensando: será que a arbitrariedade dos conteúdos é interessante para o processo de ensino-aprendizagem na escola?, depois: a que ponto podemos deixar os alunos escolherem o querem aprender (pois uma parte vai escolher não aprender nada!)?, e então: e se eles pudessem escolher, teríamos bala na agulha para orientá-los?
Uma saída talvez seja determinar em conjunto, professor e aluno, o que deve ser objeto de investigação. Mas isso, o sistema escolar e suas complexidades não deixa acontecer assim tão fácil.
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Diante deste dilema o que tento fazer é trazer humanidade para a sala de aula. Humanidade no sentido de errar e cometer equívocos, mas tentar alguma coisa diferente. Arriscar. Fugir da normalidade. Abrir espaço para discussões em cima do conteúdo e não o ver como um tijolo que deve ser colocado ao lado de outro tijolo. Em suma, deixar de lado a lógica algorítmica arbitrária e tentar dançar no conteúdo com mais ginga. Tento rebolar. Olhar para o salão e ver diversos tipos de passos... Tento encontrar um ritmo adequado para a dança e, de vez em quando, pisar no pé de alguém. Ser humano e não robô.
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É estranho pensar que os algoritmos estejam, muitas vezes, ocupando o papel de “educadores”, no sentido de definir conteúdos para os alunos, mesmo que estes conteúdos não sejam “oficiais”. Os algoritmos não sabem nada! Eles são apenas números que se combinam em uma conta “perfeita”. E o pior: não existem como coisa...não falam nem gesticulam, não ouvem!, e mesmo assim, estão dentro da sala de aula enquanto tentamos ensinar alguma coisa real aos nossos alunos.
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Temos este desafio: aprender a lidar com estes intrusos inconvenientes – mas que podem ser muito úteis se soubermos agir com inteligência.
Se alguém souber como, vamos tentar viralizar nas redes!
Nossa Marcelo perfeito. Como se manter humano sem perder os bônus da tecnologia.