CABERNET CONTRA DEPRÊ
Dias atrás, uma professora veio me contar que estava em outra escola, numa reunião, conversando com algumas colegas. Uma delas perguntou: "o que você tá tomando agora?", e a outra respondeu "é sei lá o que tantas miligramas!". Ao passo que a primeira respondeu, "esse nem faz mais efeito pra mim...to tomando o sei lá o que todas miligramas...". Quando a professora, que estava me relatando o caso, foi perguntada, ela respondeu: "não estou tomando nada...", a turma toda ficou impressionada! Como assim, uma professora que não toma antidepressivos, ansiolíticos, etc... e tal? Uma delas, finalmente disse: "se precisar tomar alguma coisa, te dou uma caixinha..."
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A escola é um lugar de alto nível de estresse. Conheço muitos professores que precisam de uma muleta para continuar de pé. Se o cara precisa se apoiar em alguma coisa, melhor é se apoiar mesmo... Mas a exceção parece estar virando regra. Não são poucos os professores que tiram licença para se afastar daquele universo doido e intenso que é a escola. Eu entendo e me solidarizo...
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Certa vez, uma menina começou a ganhar uns piripáques na minha aula. Falava alto coisas aleatórias. Urinou-se... Pedi para chamar o diretor. O cara veio e perguntou: "vem cá, tu prefere xampu ou condicionador para lavar o cabelo?". Fiquei boiando, mas confiei no cara. Ela respondeu: "Xampu, é claro!" Ele continuou: "Mas de que marca?", e aos poucos, ele foi tirando ela daquele estágio de doideira, apenas conversando. Ele retirou ela da sala e ela se acalmou e foi embora. Quando eu o questionei sobre o acontecido ele me disse: "quando o cara se depara com alguém que "endoidece", tem que entrar na loucura e achar uma saída..." Nunca mais esqueci daquilo.
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Tempos atrás uma aluna minha estava no corredor, amparada pela irmã, tremendo e chorando. Perguntei o que estava acontecendo. Crise de ansiedade. Abracei-a e pedi para que me acompanhasse até a sala dos professores, onde tinha menos barulho. "Vem cá, qual a tua série favorita?", perguntei. Ela respondeu, e começou a falar verborragicamente sobre a tal série... Fui indicando a ela um caminho mais firme em que pudesse pisar com mais confiança. Ficamos uns dez minutos conversando. A tremedeira diminuiu. As lágrimas secaram.
Entrei no universo da "doideira" e por fim, encontramos uma saída.
Bingo!
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Professor não é apenas professor: Professor é, muitas vezes, um amigo e psicólogo.
Não me importo, aceito o desafio.
Prefiro assim, aliás...
Porque a sala de aula não é apenas um lugar de aprendizado apostilado. A sala de aula é um lugar de imprevistos e improvisos. É um lugar onde o alicerce da vida se fortifica...É um lugar que...
Bom, a escola são infinitos lugares!
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Quando o assunto é doideira, procuro me enganar voluntariamente.
Eu tento reverter a situação, no sentido psicológico da coisa: A escola é a minha droga. Me viciei há algum tempo. Desde 2008, pra ser mais específico, quando um diretor maluco (não o mesmo do "xampu ou condicionador?") me disse que se eu achava que a minha aula estava uma merda é porque eu tinha dado o primeiro passo para ser professor. Busquei caminhos diferentes. Agucei o olhar. Tentei perceber os detalhes. Agreguei tudo aquilo que estava de fora da cartilha escolar (e para além da ação pragmática, também comecei a escrever...)
Ainda consigo manter uma sanidade razoável. Mas a sanidade, unicamente, também não é cem por cento saudável.
É preciso enlouquecer, às vezes...
Como diria o Bukowski: "muitas pessoas nunca enlouquecem, que vida de merda elas têm..."
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Quando a doideira bate forte, não nego, busco recursos.
Atualmente tomo cabernet sauvignon, de duas a três doses por noite...compro no mercado negro do Rosa a 85 pilas o garrafão.
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Ajuda...é a minha muleta, não parece fazer sentido?
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Brincadeiras à parte, que mundo doido que vivemos, não?
Convenci-me que estes problemas tipo ansiedade, depressão, etc... são problemas que mais cedo ou mais tarde irão passar pelo nosso caminho...
Isso me deixa consciente de que, enquanto vive-se um momento de alegria, que tenhamos consciência disso e esgotamo-lo até a última gota, pois do futuro, o que se sabe?
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Ou, como escreveu o poeta chinês Du Fu, no século VIII:
Breve é o tempo
de estarmos juntos
melhor gozá-lo,
já que não obedece
aos nossos desejos.
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(a poesia, como se vê, também é uma muleta!)
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E você, já se desendoidou hoje?