EU QUERO VER GOL
Poxa vida, o Suárez, contratação recente do Grêmio, já de cara fez três gols num jogo. Mal chegou e meteu três! Tudo bem que o cara traz na bagagem um currículo escrito numa trajetória de alto nível, jogando campeonatos como a Copa do Mundo e a Champions League, etc... Mas, isso é secundário, faz parte do portfólio. O lance é que ele mostrou que sabe cumprir sua função, que é fazer gols.
Veio e fez.
Diz que perguntaram a ele o seguinte: “Suárez, quanto tempo tu acha que demora pra se adaptar ao futebol brasileiro?”, e ele respondeu, “Não muito!”. Confiante o cara, dá pra ver... Afinal, ele jogou na Europa, naquele nível altíssimo por anos, parece que o que vai encontrar por aqui vai ser fichinha!
Bom, mas eu não manjo muito de futebol e não vou dar muito pitaco e os dois primeiros parágrafos foram só pra deixar a bola picando para o tema do texto – que vai acabar na sala de aula...
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De qualquer forma...
Conversávamos, dias atrás, sobre a função de um técnico de futebol. Um dos camaradas que falava foi fisioterapeuta do Internacional, de Porto Alegre. Dá pra sacar o nível da conversa... Tínhamos uma opinião de um cara que estava lá dentro do negócio. Dizia ele que em um papo informal com dois jogadores, perguntou: “vem cá, o que um bom técnico precisa fazer num time?”. Um dos jogadores ficou pensativo, enquanto o outro respondeu prontamente: “não inventar!”
Bom, para pra pensar: você tem num time o Ronaldinho Gaúcho, o Ronaldo Gorducho (mas em plena forma) e o Rivaldo...o que você vai dizer pros caras?
É claro que estamos lidando com um caso específico e ideal. Os caras tinham talento, criatividade e inteligência, ao que parece, eram esforçados, e ainda por cima, sorte. Essa combinação, eleva qualquer sujeito a um status de autonomia, como se não precisasse de ninguém para dizer a ele o que se deve fazer. Esses caras estão num patamar de referência, no último degrau de uma longa subida ao topo da sua profissão... Se alguém quiser interferir nesse encaixe cosmológico, esse alguém tem que, ou ser muito atrevido, ou ter uma baita sensibilidade.
Mas, buenas, nem todos são Ronaldinho Gaúcho ou Suárez - que fique claro que não há comparação nenhuma, é apenas uma analogia! E é aí que o técnico precisa saber se posicionar. Como fazer um time jogar entrosado com diversos tipos de jogadores?
Imagino que um Felipão da vida tenha que ter uma percepção aguçada do potencial de cada jogador e extrair de cada um o melhor resultado possível, dentro do espaço respectivo da sua posição. Depois ele ainda precisa pensar o quanto aquele sujeito é importante para o coletivo, como que o potencial dele melhora o jogo do time como um todo. Fechando essa conta, o cara entra pra escalação e pode matar a pau...
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Mas além deste fator, digamos, mais racional, um bom técnico também deve confiar na sua intuição. A intuição está mais aberta para a tentativa e o erro e, portanto, existe um risco maior de tudo dar errado. No entanto, muitas vezes é o inesperado que decide a partida. Se perguntassem a um torcedor do Internacional, antes da final de clubes contra o Barcelona em 2006, quais jogadores teriam chance de fazer o gol do título, provavelmente as respostas seriam Fernandão e Alexandre Pato – o primeiro, Capitão, o segundo, revelação. Quando um sujeito chamado Adriano Gabiru entrou em campo, pouca gente apostaria suas fichas nele. Mas aí aconteceu! O cara foi lá e fez e o Internacional foi campeão do mundo em cima de um dos maiores times de todos os tempos!
Pode ser acaso, sorte, etc... ou pode ter sido intuição do Abelão!
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Sempre penso nesse “fator intuitivo”. Mas para que a intuição seja, digamos, despertada, alguma coisa precisa provocá-la. No caso da relação técnico-jogador não acho que o despertador esteja nos fundamentos. Não é no passe que o cara vai cutucar o inconsciente do “professor”. Talvez seja na forma de agir, no jeito de falar com o grupo, em algum comentário mais astuto... O técnico precisa estar, como diz aquele lema de escoteiro, sempre alerta.
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Bom, sacou né!
Não é à toa que os jogadores costumam chamar o técnico de “Professor”. Por quê? Porque o professor tem que estar atento na sala de aula, assim como o técnico deve estar no campo.
Saca só:
Na sala tem o craque-nato. O craque-nato é tipo Ronaldinho Gaúcho: ele sabe o que fazer...e melhor, ele sabe como fazer. É muito mais fácil lidar com um craque-nato porque além de entender dos “fundamentos” ele sabe se colocar no time... Sobretudo, ele é exímio na função, ele não só entende da coisa como domina e melhora aquela coisa. Em suma: ele é topzera das galáxia!
Tem os semi-craques, os jogadores que mandam bem na sua posição, mas precisam de uma ajuda para entender o que devem fazer em campo. Neste caso, a função do “professor” é de orientar...tentar mostrar para o sujeito como que o jogo funciona e como que, dentro das quatro linhas, ele pode usar o seu potencial para alcançar seu objetivo. É meio que dizer pro Suárez: “Bixo, faz gol e não morde ninguém, beleza?”
Os pseudo-craques são aqueles que assumem uma persona e enganam muito bem! É tipo aquele jogador que ganha mais com publicidade do que com o salário do clube. O maluco dá bons passes, cruza legal, mas o que mais importa pra ele é a dancinha na comemoração do gol. Tudo bem, faz parte do jogo!
Tem o “neutro”. O neutro é aquele que não fede-nem-cheira. Ele não-atrapalha-mas-também-não-ajuda. Se tu disser pra ele, passa a bola, ele passa a bola. Se tu disser, chuta a canela do fulano, ele chuta a canela do fulano. É um Maria-vai-com-as-outras, mas no final, ele levanta a taça como todos os demais jogadores.
É inegável: têm os pernas-de-pau. O que fazer neste caso? Acho que o lance é começar do básico. Fundamentos. Primeiro, domínio, passe, cobrança de lateral...depois, “vai cobrar uma falta meu filho”, “dribla o cara, porra!”, “chuta, caralho, chuta essa bola...” Se o cara por acaso em algum momento fizer um gol, o esforço valeu a pena.
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Deu pra sacar que a analogia é válida. A sala de aula e o campo estão muito próximos. Alguns desafios são muito parecidos...
Se você tem vinte Ronaldos em plena forma na sala de aula, por exemplo, não é preciso inventar muito. Agora, se você tem alguns jogadores fora de forma, faz-se necessário pensar alternativas que os coloquem pra jogar no mesmo time. Talvez eles nunca cheguem ao nível craque-nato, mas dentro da sua posição é preciso extrair a máxima potencialidade possível.
Isso não quer dizer que um time com onze Ronaldos vai vencer todas. Se fosse assim, validaríamos a máxima iluminista que diz que a razão é preponderante sobre os aspectos da vida. Na prática eu quero dizer que já tive muitas turmas excelentes com pouquíssimos craques. No final, o que define a vitória do time é o saldo positivo de gols e não a excelência das jogadas.
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Assim como num time de futebol, nem sempre uma turma ganha o campeonato, mas o que não se pode fazer é deixar de jogar. Já vi time de reservas dar show, apenas porque tiveram a oportunidade de entrar em campo e mostrar serviço. Se o time estiver entrosado e a estratégia bem traçada, a chance de goleada é maior.
Como Professor, eu quero ver gol; não precisa ser de placa, eu quero ver GOL.