FOTO TIPO CROSSFITEIRO DÁ UNS LIKES E PÁ...
...e melhor ainda se for na beira da praia, goodvibe, filtro pra realçar as cores quentes e...
Mas o assunto é outro, na real...Vamos ao texto:
O CAPITAL SIMBÓLICO E A NECESSIDADE DE BAIXAR O NÍVEL PARA SER CONSIDERADO ALGUÉM RELEVANTE
O Bourdieu, aquele pensador que ninguém consegue entender sem um tradutor filosófico, tem um conceito interessante...é o capital simbólico. Ele tem, na verdade, quatro “conceitos capitais”: o econômico, o cultural, o simbólico e o social. Pra deixar a coisa mais ou menos simples, o que ele quer dizer com capital simbólico é que o sujeito tem um certo reconhecimento no meio em que ele vive pela competência do que faz. Tipo assim, o cara pode ser reconhecido pela sua extrema habilidade em arrumar um carro, por exemplo. Pode ser que ela não tenha grana (capital econômico), nenhum diploma de uma escola de mecânica (capital cultural), nenhum ciclo de boas relações (capital social), mas ele é muito bom em consertar carros. Consequentemente, a sociedade o reconhece pela competência, e ele, se for esperto, joga com esse critério para obter vantagens nas outras áreas.
Faz muito sentido. Aquela história de que o capital econômico determina, exclusivamente, a condição do sujeito não é bem assim... O dinheiro nem sempre determina um “status”.
Esses dias vi um podcast sobre música que tinha um desses Mc’s de funk. O cara, parece, comprou um Jaguar e mora num condomínio chiquetoso... Tem menos de trinta anos. Podre de rico o “viado” (era assim que ele se referia aos outros: eae viado, ô, ê, eu sentei no jaguar e peidei dentro dele porque era meu tá ligado!). O maluco tem capital financeiro? Tem. Mas para a música, enquanto arte, que é o universo cultural que ele está inserido, ele é só isso mesmo, um cara que ganha dinheiro. O capital simbólico dele é menos que zero (quem considera ele alguém de relevância no mundo da música pode não ter entendido muito bem a coisa).
Mas não se engane. No meio dos funkeiros, esse cara tem um capital simbólico. Dentro do universo funkbundeichon ele é respeitado pelo trampo, tá ligado! Porque ali, naquele círculo restrito de significados e gírias peculiares a competência nem sempre é medida pelo money. As letras (na melhor das hipóteses) é o que chama a atenção para a competência do cara, já que as batidas são sempre as mesmas – pelo menos para o meu ponto-de-vista-outsider. Tentei sacar as letras, então. Comparadas a qualquer música dos Racionais Mc’s, são terrivelmente ruins. Tudo bem, é covardia comparar um desses mc’s-funkbundeichon com os Racionais, mas veja, “Mc” é um nome que designa um significado mais ou menos em comum. Enquanto os Racionais têm um capital simbólico de nível 11 numa escala de um a dez, o mc-funkbundeichon tem no máximo 3.
O que me faz pensar que baixamos muito nosso nível de capital simbólico ultimamente. Todas as esferas da arte, só pra ficar nessa pegada, ou, mais especificamente ainda, todas as esferas da música estão sob essa vulnerável condição. O cara se obriga a baixar um pouco o nível de consideração do capital simbólico para aceitar aquilo que parece, de alguma forma, relevante. A gente distorce a competência essencial do sujeito, que faz dele um cara de certo status, atribuindo-lhe outras qualidades para justificar sua relevância.
Por exemplo, têm escritores que são mais youtubers do que escritores. Mas a imagem deles e a pseudo-confiança que eles passam em seus pseudo-discursos construídos com base nas leis atrozes do marketing fazem com que a gente lhes dê um bônus de capital simbólico. É o que alguns chamam de “construir uma imagem de autoridade no assunto”. O cara entra num nicho tal e vende a imagem de “autoridade” e isso parece o suficiente...
Não é.
Ao apertar o botão de compra do curso do especialista, vem de bônus, também, a decepção. O produto é essencialmente superficial e mal-executado, pois a “autoridade” só chega até certo ponto e não é capaz de dar conta daquele atributo essencial que o faz ser bom em alguma coisa, aquele diferencial que as pessoas, mesmo aquelas que não entendem muito do assunto, percebam que o sujeito é bom mesmo no bagulho! Geralmente, o cara é bom numa coisa quando as pessoas, desde aquelas que entendem do assunto em questão, até aquelas que não fazem ideia do que está em jogo, dizem: “bom mesmo, hein!”.
Nosso nível de exigência é baixo e por isso mais democrático, pois até os meia-boca estão entrando no jogo. Não é culpa de ninguém, é só uma constatação feita a partir do critério do esgotamento que nos deixa um pouco inseguros.
E quando não sobrar mais nada?
Enquanto isso, segue o baile, mas as máscaras estão cada vez mais caindo ao chão.