Perguntei: quantos aqui vão numa Igreja com certa frequência? Dez por cento da turma levantou a mão. Lembro-me que, na idade deles (16/17 anos), quando eu estava no lado de lá da sala de aula, como aluno, pelo menos metade da turma dizia frequentar alguma igreja e, sobretudo, a maioria se dizia religioso – o que é diferente, obviamente.
Era estranho conversar com alguém que não acreditasse em alguma entidade religiosa. A maior parte da gurizada, meio obrigada pelos pais, se submetia aos sermões de domingo. Era um calvário dominical. Eu, que fiz catequese e crisma, sei qualéqueé...
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Quando me sugeriram ir num grupo de jovens da Igreja do centro (Igreja do centro, outro nível, né!) eu dei um jeito de pular fora. Cheguei no tal encontro, às 14:00 de sábado. Era um dia lindo, de sol, muito agradável - excelente para ficar ouvindo um som e falar bobagens com a gurizada. Entrei na Igreja e uma menina me recebeu. Simpática e bonita. Fui levado a um grupo de mais uns oito ou dez jovens bem vestidos e aparentemente puros de coração. Então a coisa toda começou. Um cara começou a tocar violão e automaticamente todos nos demos as mãos e começamos a cantar o pai nosso. Eu não via a hora de tudo aquilo acabar – e nem tinha começado, por assim dizer. Esperei uma brecha e perguntei para a menina simpática e bonita: “vem cá, onde fica o banheiro?”. Eu sabia onde era – era na rua, onde eu não podia ser visto na minha fuga estratégica - e cometi um pecado ao perguntar: eu enganava alguém de uma pureza marista.
Estava tudo perdido!
Saí em direção ao banheiro, resiliente com o meu ato, e nunca mais voltei...
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Se a Igreja já era chata para um jovem há vinte e cinco anos atrás, imagina agora!
Sem essa oferta infindável de tudo quanto é coisa como existe hoje, a gente ainda tinha esperança, pelo menos, de que algo pudesse acontecer nos eventos religiosos que éramos obrigados a participar.
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Por exemplo, antes de ir para a catequese, eu pensava: “Bom, terão meninas diferentes da escola”. O fato de poder olhar para elas, admirá-las, era uma motivação - não muito religiosa, mas inescapavelmente humana. Sem contar que a gurizada era tudo meio subversiva e, por estarmos em um ambiente de caráter moral intrínseco, o que queríamos mesmo era “imoralizar”.
Só pra constar, um cara apareceu com um baralho sacana, certa vez, e nos mostrou, meio que na “camufla”, as diversas formas de um homem e uma mulher conceber o dom da vida, se é que vocês me entendem.
Eu tinha nove anos, na época...
Fiquei um pouco chocado com as imagens um tanto primitivas, mas o ato em si, subversivo, imoral, transgressor, era um ato de uma juventude transviada pelo tédio do Senhor, pela falta de uma santa aventura...era um ato que alcançava a graça, mas a graça do riso!
Parecia legal estar ali, por alguns poucos momentos que fosse!
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A Igreja, hoje em dia, parece mais uma coisa dentre tantas outras. Não é difícil encontrar alunos que não têm nenhum contato com qualquer tipo de religiosidade.
Com exceção de alguns...
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Numa das turmas que perguntei a respeito de ir na Igreja e tal, um dos alunos disse: “eu vou na Igreja, mas não sei se conta...”. Não entendi. “Explica melhor!”, eu disse. “É que eu vou no Daime...é uma Igreja, mas não tem igreja!”
É interessante o fenômeno!
Alguns alunos têm pouca ou nada de religiosidade e uma parte tem uma religiosidade, como se diz, meio “alternativa”. Essa religiosidade alternativa é voltada para uma espécie de autoconhecimento. Um mergulho espiritual nas profundezas do eu através de substâncias alucinógenas causadoras de vômitos purificadores que limpam a alma pelo esôfago.
É uma nova forma de religiosidade, vai saber...
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O fato é que a Igreja, por ser chata, não chama a atenção da gurizada. Depois da ideia de que um inferno cruel e pútrido não faz mais efeito no imaginário da galera, aí sim que a coisa perdeu terreno...
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A escola segue os mesmos passos. É chata (ou sempre foi?) e está perdendo o imaginário “opressor” daquilo que se chamava, num passado distante, de disciplina.
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O que precisamos?...
...de um baralho bem sacana.