Leituras, impressões aleatórias e críticas fundamentadas no pitaco #1 - Jonathan Franzen - As Correções
Sinceridade intuitiva e o desconforto do equívoco: os dilemas da crítica
Que baita escritor o Mr. Franzen, mas que obsessão pelo cinismo!
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Eu passei da metade do “As Correções”. A família do velho Alfred e da Dona Enid é uma família tipicamente americana (dentro daquele clichê que a gente mais ou menos conhece – e que o próprio Franzen admite que é o universo em que ele consegue imaginar uma boa história para ser contada – um casal branco, três filhos, workaholics, etc...). Mr. Franzen deita no colo do leitor aquelas crianças adormecidas: neuroses, vaidades, traumas, melancolias... Dá uma sacudida nelas e a gente precisa dar conta de assimilar a choradeira.
O cara é mestre em causar mal-estar...
Cada frase é um soco na boca do estômago.
Mas eis o que me incomoda: toda frase ter a intenção de ser um soco na boca do estômago acaba causando uma espécie de úlcera indesejada.
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Quando o escritor cai na armadilha da obsessão, a tendência é que o texto fique um pouco indigesto.
Quando o cara “quer dizer alguma coisa” e engendra mil e uma alegorias para tentar dizer aquilo, sei lá, parece que a narrativa perde a naturalidade. Fica tudo, de fato, muito alegórico.
É um pouco disso que me incomoda no texto do Mr. Franzen.
(Mas boto fé que ele não busca isso sempre…)
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Além disso, tem aquele caráter de “denúncia”. Uma voz subjetiva que fica cochichando no seu ouvido: “viu só como a natureza humana é uma merda!”
Tudo bem, eu sei que é uma merda, a realidade já me mostra isso com uma técnica bastante eficaz: me dá um soco na boca do estômago de vez em quando.
A literatura pode me revelar um caráter novo, eu compreendo...mas quando o autor aperta demais nessa tecla, não sei, cansa...
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Quando li o “É isto um homem?”, do Primo Levi, também cansei. Ali não tem uma voz subjetiva dizendo que a natureza humana é uma merda. Ali tem uma voz objetiva. Essa objetividade é que me pareceu mais natural. A narrativa tem uma fluidez violenta, que causa uma náusea existencial, uma vergonha de ser humano. Você entra naquele campo de concentração, naquelas quase duzentas páginas, e quase desiste da vida.
Duzentas páginas de agonia.
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O Mr. Franzen vai longe. Não é uma história que vai ser contada em 200 páginas. “As Correções” tem 570. Soco em cima de soco, e a gente vai sendo sovado lauda a lauda... Acompanha-se aqueles personagens durante longos capítulos. Mr. Franzen amarra tudo muito bem, como se estivesse esperando receber uma nota dez por um trabalho num curso de escrita criativa. Mas, sei lá, falta carisma, alguma coisa que dá aquela sensação inefável (aquela coisa meio epifânica da literatura...). É essa a impressão. A coisa parece tão bem escrita que só parece isso mesmo, ser bem escrita.
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Quase tudo que leio sobre o Jonathan Franzen é de caráter unânime. Ele é um dos grandes romancistas da sua geração. Por que então não me empolguei na leitura de “As Correções”? A sensação de que a gente está se equivocando é latente, quando se escreve uma espécie de “crítica” sobre um cara que é, praticamente, unanimidade.
Torço por isso: para que eu esteja equivocado!
E se você tiver algum comentário a fazer sobre o “homem”, fique à vontade, querido leitor!
Dicas, sugestões e papos-furados:
Um dos grandes romances que li quase num só fôlego foi o “Butcher’s Crossing” do John Williams. O Rodrigo Casarin escreveu um texto falando sobre esta grande obra do Século XX.
O Roda Viva com o Jonathan Franzen vale a pena.
Li o “Liberdade” do Mr. Franzen lá pelo ano de 2013 e gostei, apesar de não lembrar de muitos detalhes. Este é daqueles livros que a gente lembra que gostou, mas não lembra muito bem o porquê. Por que isso acontece?
Disse o Jonathan Franzen que até começou um roteiro para uma série de “As Correções”…alguns produtores se interessaram, mas o lance chegou num valor meio alto e foi abandonado... Será que daria uma boa série?