MEMÓRIAS DE UM TIOZÃO MEIO NOSTÁLGICO
Quando éramos adolescentes, comprávamos uma garrafa de Velho Barreiro e dois litros de Coca-Cola e bebíamos em grupo. Era barato e eficiente.
Quando possível, comprávamos um pacote de salsichão e um carvão de cinco quilos. Já era o suficiente para esquecer as coisas chatas do mundo...
Tínhamos a realidade como referência. Ninguém tinha muito dinheiro e todos queriam que a vida fosse uma festa! Então fazíamos a festa acontecer do nosso jeito.
Por sorte, um dos nossos amigos tinha pais ocupados nos finais de semana. Mais sorte ainda, era o fato de ter uma casa antiga desocupada no terreno ao lado com churrasqueira de tijolo cru e uma mesa de sinuca.
Era naquela casa velha que a mágica acontecia.
Não havia urgência. As coisas aconteciam de acordo com as circunstâncias. Se estávamos juntos e decidíamos fazer um churrasco e tomar cachaça-com-coca e conseguíamos juntar uns trocados para isso, a coisa rolava. Se não, paciência, sentávamo-nos ao redor da mesa de sinuca e falávamos bobagens e ríamos e tudo bem...
Poucas vezes fotografamos estes bons momentos. A fotografia era uma coisa concreta e precisava de um mecanismo analógico para acontecer. Na prática, significava que o cara teria que pagar para ter uma foto e, para tê-la em mãos, você precisaria esperar um tempo até que a imagem fosse revelada. Aliás, essa palavra é a chave da questão: uma foto “revelava” novamente um momento, um momento que talvez tivesse passado despercebido, mas que agora tinha um valor diferente. Fotografar era uma coisa meio que ritualística.
Nosso grupo era composto de tipos diferentes. Uns tinham uma família bem estruturada, outros tinham perdido pai ou mãe. Uns estudavam em escolas particulares e outros na pública. Uns trabalhavam para comprar um carro e outros ganharam um carro de presente aos dezoito. Mas todos tinham respeito e consideração um pelo outro. Não lembro de nenhuma treta em relação às diferenças, fossem elas sociais, econômicas ou o que quer que fosse... Quando estávamos juntos, era todo mundo meio igual.
Então aprendemos a tocar instrumentos musicais e montamos uma banda. No começo, os ensaios eram feitos com mais gente do que a banda poderia compor. Tipo: um tocava batera numa música e depois era outro, daí o cara que tocasse baixo numa música não sabia tocar a outra e ia sem baixo mesmo, e as músicas nunca eram tocadas da mesma forma, apesar de serem sempre as mesmas. Tudo dava certo ao nosso jeito, pois o mais importante acontecia, estávamos sempre juntos.
Foram anos assim. Era sempre um grupo que incorporava vez que outra um membro diferente que se achegava, sacava a aura de amizade que rolava ali e ficava participando daqueles encontros.
Até que um dos nossos amigos – o amigo central, o agregador – teve um trágico acidente de moto. Ele faleceu no dia 30 de setembro de 2003. O grupo seguiu outro caminho, cada um construindo uma outra história por si mesmo. Em geral, a maioria se enrabichou com seu respectivo “crush” e muitos constituíram uma família. Bom, aquela coisa...
No entanto, aquele grupo se encontra dentro do possível e quando se encontra as coisas se parecem muito com o que era há vinte e cinco anos atrás. Por sorte, a gente está sempre tentando escapar da chatice do mundo criando o nosso próprio mundo...
...nem que este exista apenas no tempo de um churrasco entre amigos.