O gosto pela vida é o elixir da juventude.
Não que envelhecer não tenha o seu barato, claro que tem. É que a juventude, nesse caso, tem a ver com uma espécie de estado de espírito. De vez em quando sou assaltado por aquela sensação! Uma espécie de vontade insana de viver. Ficar em pé durante cinco, seis horas pra ver um show; tomar uma garrafa de vinho sem muita culpa; dar importância ao que os outros dizem e achar importante o que se diz; esquecer que o tempo acaba...
Depois dos quarenta isso fica cada vez mais difícil. Não me venham com aquelas fórmulas (pra boi dormir) e sentenças prontas dizendo que a maturidade é sei lá o que... Existe o desejo e existe o fato, a constatação. Depois dos quarenta, algo fica pra trás e é inalcançável e só de vez em quando você se aventura numa espécie de resgate nostálgico daquele ímpeto inconsequente.
Por outro lado, passados os quarenta, coisas irrelevantes às planilhas de compromissos da juventude são elevadas ao patamar de “prioridade”. Olhar o mar, por exemplo. Olhar o mar, e não “pegar uma praia”... Mas, pensando bem, olhar o mar, simplesmente, é o que você faz ainda na juventude. Depois dos quarenta, a partir do olhar, você já aprende a contemplar o mar. Li recentemente um livrinho do Byung-Chul Han: Vita Contemplativa. Ótimo livro! A contemplação, para o coreano, depende de uma espécie de congelamento do tempo, de uma sensação de epifania.
A sensação de epifania é uma espécie de relaxamento do mundo...
Mas isso a gente só se dá conta a partir de certa altura da vida. Quando se é jovem, não parece que o tempo tenha uma brecha para o relaxamento. Você não quer esperar que as coisas aconteçam e essa não-espera é uma emenda que homogeneiza o tempo.
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Leio os textos do
. Ele se destacou nesse mundo doido da web praticando o nomadismo digital. Ele até tem um livro sobre isso... Certa vez comentei algum texto dele dizendo que achava muito interessante o lance todo, mas não teria mais pique para viver uma vida nômade, programar viagens, fazer as malas, criar vínculos passageiros. Lembro de que tinha feito quarenta anos recentemente, quando fiz este comentário. Acho que esse comentário inseriu a ficha: plim: quarentou, tio!*
O gosto pela vida, no entanto, tem um tempero de efemeridade. Em que sentido? Se não compreendermos que tudo passa, nos apegamos demais. A inconsequência, marca sine qua non da juventude, é o sal da efemeridade. Quando colocada demais, desagrada, mas em doses adequadas, apetece.
Saber que arriscar é uma possibilidade que passa, traz, de certa forma, tranquilidade...
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O pintor Caspar David Friedrich pintou em 1835 a obra “As Fases da Vida”. Toda vez que olho para ela, sinto que a compreendo um pouco mais. Aquele velho, de costas para o observador, mas de frente para as demais personagens, imponente, firme, olha para tudo o que ainda será, mas que para ele, já foi; este velho contempla o mar, ele sabe que tudo passa (por que já passou?), ele é o último barco que alcança o horizonte. No entanto, não se sabe o que ele sente, nada se vê em seu rosto. As crianças, a jovem, todos intencionam alegria, movimento.
A velhice é introspectiva, a juventude inequívoca...
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O velho d’As Fases da Vida é a minha fronteira dos quarenta quando a encaro como um sinal de maturidade. É como um olhar para trás, às vezes nostálgico, outras vezes reflexivo. Na juventude, raramente se olha para trás, e quando se olha, a visão é lúdica, recreativa...e talvez por isso é que a “juventude dos quarenta” deva tomar de assalto a seriedade da serenidade.
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Quarentar é sinal de um agravamento da contradição. Contradizer-se é sinal de incerteza e por mais incoerente que possa parecer, a capacidade de discernimento é cheia de hesitações. Tomar uma decisão, depois dos quarenta, é quase sempre deixar a melhor escolha de lado. Frequentemente, é um saldo da alma... Mas, contraditoriamente, ter consciência da incoerência pode, também, trazer tranquilidade.
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Certo é que, inevitavelmente, a gente tira um pouco o pé... Ao invés de andar a 110 na infinita highway, a gente prefere andar a pé nas ruas de um vilarejo italiano. Pelo menos é meio assim, comigo.
Mas é claro, de vez em quando, piso fundo sem culpa...
E você?