SEMPRE DÁ PARA DESISTIR, MAS NÃO DÁ PARA DESISTIR SEMPRE
Imagina só...Era final do ano de 2020. Pandemia, aquela história... Durante todo o ano letivo, o “ensino" tinha sido totalmente remoto. Eu e os outros professores tínhamos feito tripa/coração para entregar boas aulas, dentro daquele contexto tenso e funesto. Bolamos muitas estratégias para trazer a galera para as aulas, mas nenhuma teve muito resultado. Se chamávamos para uma aula quatro turmas de 30 alunos cada, apareciam uns cinco gatos pingados...e olhe lá. Para quem não tinha internet, fazíamos atividades escritas, puramente protocolares... Meia dúzia retornava alguma coisa. Daí rolou o conselho de classe, no final do ano. Roda ou não roda? Era bizarro... “Joãozinho?, matemática, zero; língua portuguesa, zero; geografia, zero; história, zero; educação física: fez um vídeo fazendo dez polichinelos: APROVADO!” Bizarro...Muito bizarro! Desanimei total. Pensei: pra mim chega desse negócio de educação...Esse negócio não faz sentido.
Então eu lembrei que uma professora tinha falado em um dos nossos encontros virtuais que trabalhava em uma escola tal...pela descrição, era algo meio fora do padrão: parecia funcionar. Sem muita expectativa, levei um currículo, na escola tal. Uma semana depois, a escola tal me chamou para uma entrevista. “Mas é para dar aulas de literatura!”, a diretora me falou. Caraca mano, literatura! Eu nem sabia que em algum lugar institucional se dava valor para uma coisa dessas! Pois bem...Com a minha formação em história, tinha um certo contexto para assumir o posto, mas tive que estudar muito para encarar a empreitada. A literatura, pra mim, sempre foi um lance especial, mas precisava me inteirar dos pormenores, pois eu só tinha mesmo uma bagagem de leitura... Bom, juntou o útil ao agradável: uma fórmula quase infalível!
Então aconteceu!
Na primeira aula, a proposta do conteúdo era discutir o conceito de arte. Putzgrila!, discutir o conceito de arte numa turma de primeiro ano não pode dar muito certo, eu pensei. De qualquer forma, me dediquei à questão e cheguei com argumentos. Três alunos, em especial, discutiram pau a pau comigo. Não dava para acreditar!
Meti o loco: vem cá, e se eu tirar um prato do armário da cozinha...vejam bem, o prato é um objeto utilitário...fazer um X no meio com tinta e fixá-lo na parede e colocar um título embaixo escrito O ALVO, eu transformei este prato em arte? Um guri respondeu algo do tipo: “depende, se tu concordar que cada um pode definir um conceito de arte, então tudo bem...”. “Mas se todo mundo tiver um conceito de arte para si, não existe UM conceito de arte, e se não existe UM conceito de arte, qual é a referência?”, provoquei. “A referência é o próprio cara que define pra si próprio o conceito de arte...”, alguém respondeu. “Bom, então, a gente pode sacar que o conceito de arte deste tipo é reflexo de um outro conceito, o individualismo...mas será confiável atribuir esta potência de elaborar conceitos tão complexos para qualquer pessoa? Qualquer maluco pode colocar um prato na parede e dizer que é arte?”...E a conversa foi indo e de repente aquela chama que havia se apagado começou a inflamar novamente...
São raros momentos em que a sala de aula proporciona uma espécie de epifania didática. Naquele momento eu estava atento e senti o lance acontecer. Fui embora pensando: “bom, existe algum sentido nessa história toda”.
Às vezes, são os alunos que, mesmo sem se dar conta, injetam uma dose de esperança no professor. Foi o que aconteceu...É provável que eu nunca me esqueça daquela sensação, que pode ter ficado datada, fez parte daquele momento, mas foi crucial para que um professor não entregasse os pontos e pendurasse as chuteiras...
O jogo continua!